quinta-feira, 9 de abril de 2020

O Método Pedagógico dos Jesuítas: o "Ratio Studiorum" (Pe. Leonel Franca S.J.)

O Ratio Studiorum | Pe. Leonel Franca S.J.
No livro O método pedagógico dos Jesuítas: O Ratio Studiorum, o padre Leonel França narra a história de um poderoso método pedagógico que formou várias gerações por quase dois séculos. Além da história do Ratio, o livro também mostra o Ratio, detalhando os seus processos e etapas.
Quando o Santo Inácio de Loyola faleceu, existiam 33 colégios em atividade e 6 formalmente aceitos pela Ordem dos Jesuítas. Os 39 centros de ensino estavam espalhados por 6 países: Áustria, Espanha, França, Itália, Portugal e Romênia. Todos usavam as instruções pedagógicas da Ordem. Nas palavras de Bacon: "No que concerne à pedagogia basta uma palavra: consulta a escola dos jesuítas; não encontrarás melhor".
Devido à enorme quantidade de interferência humana (mais ou menos profunda) e regionalismo, era necessário que o ensino jesuíta fosse inspecionado. Este serviço cabia aos Comissários Gerais manter o alto nível de qualidade e excelência da Ordem.
Para atender à esta necessidade, a Ordem seguia uma código de ensino. Este código assegurava dois aspectos importantes da orientação da atividade educativa: a semelhança e a unidade. Os centros de ensino adotavam um plano de estudos e de ensino, uniforme e sistemático, que traria benefício à Igreja e à Companhia. Estas instruções foram compiladas no Ratio Studiorum. Faremos uma breve história dele a seguir.
Em 1586 o Ratio foi enviado a todos os Provinciais que levaram muito à sério as recomendações. Até então o Ratio era uma coleção que reunia quarenta anos de experiência pedagógica. Esta edição não era de caráter definitivo, nem obrigatória. Não devia ser prontamente adotada, mas seria alvo de críticas baseadas em análises das autoridades mais qualificadas de diferentes regiões europeias. O Ratio de 1586 tinha:
  • Formal Geral: mais discursiva do que imperativa; e
  • Trabalhos Críticos: Judicia e Observationes indicavam os defeitos graves: a imprecisão e prolixidade da fórmula examinada.
Já no Ratio de 1591:
  • Mudanças estruturais radicais;
  • Discussões e dissertações pedagógicas que justificavam os preceitos foram eliminadas;
  • O sistema de estudo tinha uma variedade de regras relativas aos professores, alunos e administradores;
  • Deixou de ser um anteprojeto a ser analisado e foi convertido em um código de leis a ser colocado, de forma imediata, em prática, ainda que não em caráter definitivo; e
  • Deveria ser adotado pelos Provinciais nos três anos a seguir e os resultados obtidos deveriam ser informados à Roma.
 Enquanto que no Ratio de 1599:
  • A prolixidade ainda era alvo de várias críticas;
  • Regras numerosas e repetitivas nos vários ofícios semelhantes; e
  • Esforço realizado:
      1. Eliminaram as regras repetidas;
      2. Agruparam as regas comuns;
      3. Redação concisa de outras regras;
      4. Redução de 400 para 208 páginas;
      5. Redução de 837 para 467 regras; e
      6. Deixou de ser a comunicação de um projeto e virou uma lei.
E o Ratio de 1832:
  • O código de estudo ainda era uma lei da Companhia, até a supressão da Ordem em 1773. Quando extinta a Ordem mantinha 546 colégios e seminários na Europa e 123 colégios e 48 seminários nas províncias missionárias, totalizando 865 centros de ensino.
  • Pio VII restaurou a Ordem em 1814;
  • Em 1824, Leão X declara que "a causa principal do seu restabelecimento era a formação intelectual e moral da juventude";
  • Com um ambiente modificado, era imprescindível uma revisão do Ratio;
  • A 20ª Congregação ficou encarregada do trabalho de revisão;
  • Em 1829 a Congregação Geral alertou sobre a urgência de uma revisão imediata;
  • O novo Pe. Geral, João Roothan, ficou responsável por uma adaptação do Ratio;
  • Em julho de 1832, foi enviado à Ordem a revisão do Ratio;
  • A orientação administrativa, metodológica e disciplinar foi mantida;
  • As mudanças limitavam-se a estrutura curricular;
  • Em 1941, um Ratio de estudos superiores foi enviado a toda Companhia de Jesus; e
  • A variedade de currículos secundários gerou uma quantidade imensa e quase inseparáveis de problemas nos diferentes países onde a Ordem atuava. Dificuldades que tendiam a ser solucionadas com um plano universal como o Ratio de 1599.

 

Fontes do Ratio 

As principais correntes pedagógicas escolhidas e assimiladas para a elaboração do Ratio foram:
  • Universidade de Paris:
Em 1534, na Colina de Montmartre, Inácio e seus companheiros disponibilizaram, a partir do modus pariensis, os fundamentos do que seria a Companhia de Jesus.
  • Influência dos Antigos
O plano de ensino jesuíta usava como fonte de beleza humana e imortal a influência Clássica, Romana e Grega.
  • Idade Média
Da tradição da Idade Média foi conservada a primazia. Descartes inaugurou o esforço intelectual da época com conquistas sadias e duradouras do que é conhecido como o humanismo cristão da Renascença.
  • Experiência
O Ratio é oriundo de várias experiências comuns amplas, tanto no tempo quanto no espaço, que lhe garante uma grandeza majestosa, talvez única em toda história da pedagogia.

 

 Metodologia

É a parte que foi mais trabalhada e desenvolvida do Ratio. Ela, essencialmente, envolve:
  • Processos didáticos para a transmissão de conhecimento;
  • Estímulos pedagógicos para garantir o êxito do esforço educativo;
Unificava o sistema de ensino e tradição pedagógica da Ordem, mas não A enrijecia. Ao mestre se oferecia:
    1. Altos poderes de iniciativa;
    2. Emprego dos métodos indicados; e
    3. Invenção de novos métodos.
A metodologia busca equilibrar Tradição e com Progresso; e Norma com Liberdade (Fig. 1).

Fig 1: Representação do equilíbrio metodológico do Ratio.











Preleção

 É o centro gravitacional do sistema didático do Ratio.

Prelectio*:
  1. lição antecipada
  2. Explicação do que o aluno devia estudar
Obs: Métodos e Aplicações variavam de acordo com o nível intelectual dos estudantes

* visava desenvolver e ativar o espírito. Por meio do exercício da memória, mas principalmente: Imaginação, Juízo e Razão.

Para aumentar a compreensão subministravam-se os conhecimentos das realia indispensáveis (no Ratio chama-se erudito - conhecimentos positivos - introduzir o aluno numa compreensão perfeita do autor).
Erudito tinha obrigatoriamente que ser capaz de elucidar o sentido do trecho analisado e para isto deveria ter os seguintes conhecimentos:
  1. Noções de História;
  2. Geografia;
  3. Milogia;
  4. Etnologia;
  5. Arqueologia; e
  6. Instituições da Antiguidade Grego-Romana.
O fim da preleção não era teórico, mas artístico; com o objetivo de desenvolver a arte da expressão.

 

Alunos

O método era essencialmente ativo, ele solicitava a colaboração contínua entre aluno e mestre.  

Terminada a tarefa da explicação, começa a da composição.

Na base de estudos o aluno deveria:
  1. Repetir os processos fundamentais percorridos pelo autor e analisados na preleção;
  2. Focaliza e Ordena ideias;
  3. Escolhe e Articula palavras, frases, períodos; e
  4. Apresenta os argumentos, numa tentativa de contrapor com o modelo entrevisto.
Obs: O Ratio recomendava com insistência o exercício cotidiano da memória, sem descambar no erro da memorização. Memoriza de forma viciosa quem substitui a memória à atividade da inteligência e da razão.
Os castigos físicos eram moderados para a época, antes apelavam para os sentimentos mais nobres da honra e dignidade.

 

Emulação

Era a ação de tentar se igualar ou superar alguém. Umas das forças psicológicas mais ativa e eficiente do sistema. Os alunos eram organizados em dois campos: Romanos e Cartagineses. Cada grupo com o seu estandarte, diferentes graus de hierarquia militar, um nível para cada aluno.
A emulação não deve ser empregada sem critérios, os contrapesos de uma educação moral sólida devem fazer parte do processo. A emulação foi e sempre será um dos estímulos mais ativos ao aperfeiçoamento e progresso humano.














Teatro: Jesuítas pioneiros em dar importância pedagógica ao teatro (Schimberg).
  •  Segundo Francis Bacon no Novum Organum, as declamações teatrais eram usadas para:
  1. Fortalecer a memória;
  2. Educar a voz;
  3. Apurar a dicção;
  4. Aprimorar os gestos e as atitudes;
  5. Inspirar a confiança e o domínio de si; e
  6. Habituar os jovens a enfrentar o olhar das assembleias.
  • Além da atividade recreativa, os padres visavam à:
  1. Formação cívica;
  2. Moral; e
  3. Religiosa da juventude.
Os assuntos das peças teatrais eram, muitas vezes, tirados da Escritura.
Religião: A concentração didática firma-se no ensino da doutrina cristão: vida religiosa, sincera e profunda. A realização plena de uma pessoa se resume a sua SUPREMA RAZÃO DE SER. A vida escolar do colégio conduzia para um fim: a educação integral do aluno.

 

O valor permanente do Ratio

Sempre serão desejadas e inapreesáveis vantagens no desempenho de sua missão humana ante as exigências do futuro:
  • Uma inteligência bem equilibrada;
  • Um senso crítico apurado;
  • A faculdade de raciocinar com acerto; e
  • Exprimir com clareza as próprias ideias.
Contribuíram para a elaboração do Ratio:
  • A Sabedoria Antiga;
  • O Cristianismo com as suas verdades profundamente iluminadoras da natureza humana;
  • A Idade Média com a riqueza de suas experiências filosóficas; e
  • O Renascimento com todas as suas preocupações de elegância e arte.
O Ratio foi forjado a partir da experiência de ensino de mais de meio século de centenas de colégios por toda a Europa. O sucesso desta primeira prova sem interrupções por quase dois séculos de aplicação de aplicação sincera dos mesmos princípios.

Ideal

Guiar o homem na busca pelo conhecimento e assim salvar o homem e glorificar a Deus. A grandeza e a universidade deste fim supremo dominará e orientará necessariamente toda e qualquer atividade educativa digna do homem.
Um ideal que se identifica com a própria finalidade do homem confere a um sistema educativo:
  1. A solidez da verdade;
  2. Um princípio unificador;
  3. Uma hierarquia de valores;
  4. Uma convergência de esforços;
  5. Uma riqueza de estímulos; e
  6. Uma eficiência de ação sobre as profundezas da consciência.
Estas são indispensáveis e insubstituíveis, lhe asseguravam um resultado definitivo.

 

Formação humanista

  • A gramática visa a expressão clara e correta;
  • As humanidades visam a expressão bela e elegante; e
  •  A retórica, a expressão enérgica e convincente.
O conhecimento profundo do conhecimento dos gênios antigos oferecia ao estudante de línguas clássicas a oportunidade de formar o homem, de transmitir um ideal de humanismo.
Só pela palavra pode o autor atingir o espírito do aluno; só pela palavra pode educar manifestar o próprio espírito. A linguagem é a expressão/manifestação do espírito, e, portanto, a medida do seu desenvolvimento. A linguagem é o instrumento natural para a formação humana, pois; por meio da expressão do espírito pode-se exercitar a atividade interior do estudante e orientar-lhe o progresso. Detalhes da atividade interior:
  1. Exprime;
  2. Imagina;
  3. Pensa;
  4. Julga;
  5. Raciocina; e
  6. Concatena ideias.
Há modo e modo de ensinar uma língua clássica. Classificamos em:
  • Modo científico: Ensino universitário; e
  • Modo artístico: Curso humanista (formação secundária).
A ciência é analítica e de cunho impessoal!
A arte é sintética; orgânica; e vital, e de cunho pessoal!
O homem de ciências estuda os autores para melhor conhecer a antiguidade; o homem de arte estuda antiguidade para melhor interpretar e conhecer os autores.

Ciência: teórica; visa conhecer, arquivar fatos, inferir leis.
Arte: prática; aspira a realizar, produzir, criar beleza.

Ensino de finalidade científica:
  • Inicialmente apela para o uso da memória; e
  • Fase superior, aguça o raciocínio e análise.
Ensino com objetivo artístico:
  • Interessa ao homem todo; e
  • Mobiliza-lhe todas as virtudes criadoras.
O Ratio foca em ensinar a servi-se da imaginação, da inteligência e da razão para todos os mistérios da vida, ou seja, aquisições humanas de valores eternos.

 

Pedagogia ativa

A aula organizava-se como uma pequena sociedade, onde cada aluno tem sua função a desempenhar. A classe era dividida em dois grupos com hierarquias vivas, bem formadas e sujeitas às modificações impostas pelo merecimento pessoal. Os exercícios eram múltiplos, variados, interessantes e deviam enquadrar e dar vida à lição.
Aulas transformadas em ambiente:
  1. Vivo;
  2. Organizados; e
  3. Agradável.
Características que facilitavam o apelo do mestre para o jovem participar da atividade.

A arte é um hábito, e, como todo hábito, adquiri-se pela repetição dos atos.
St Ignatius of Loyola | Peter Paul Rubens
Preleção voltada para a prática.
Imitar não é, apenas, copiar de forma servil a outro. Imitar é exprimir as próprias ideias e as próprias experiências rivalizando na arte da expressão com a obra-prima modelo.

Pedagogia inaciana:
  1. Princípios: Educação humanista & Educação ativa;
  2. Obrigação: Desenvolver os talentos naturais; e
  3. Perfeição: Moldar e Desenvolver o espírito.

 

Professor

 "Tudo depende do professor" Pe. João Bonifácio

A formação do mestre deve ser inteira [todos os aspectos da perfeição humana] e completa [conceito justo e integral da missão educadora]. Formação moral é a primeira preocupação da Companhia de Jesus:
  • Antes de formar a alma [a razão sobrepõe os caprichos] dos outros, o mestre passa dois anos formando a própria alma:
    • Adquiri conhecimento próprio;
    • Governar as paixões; e
    • Dominar as tendências impulsivas.
  • Hábitos vivos [virtudes cristãs]:
    • Caridade;
    • Paciência;
    • Renúncia de si mesmo; e
    • Piedade sólida.
Dois outros anos de estudos das letras clássicas: Latim, Grego e Hebreu.
Formação filosófica de três anos! (Após as Provinciais reclamarem do envio prematuro ao termino do curso de letras). A formação filosófica:
  • Dá uma visão orgânica da vida;
  • Amadurece o espírito; e
  • Experiência devida.

 

Ensino superior

Quatro anos de filosofia. Um biênio na disciplina do seu ensino universitário.

Antes de irem lecionar nos colégios, os futuros mestres devem ser confiados a um homem profundamente versado na experiência do ensino (docendi peritissimus). Os seminários pedagógicos visavam conservar a razão dos professores.

 

Iniciado o magistério

O jovem era beneficiado pela organização administrativa do colégio. Tradições pedagógicas que levavam valiosas experiências acumuladas, poupavam erros e desvios de principiantes abandonados à insegurança das próprias iniciativas.

OBS: Manter, sempre, o bom espírito, o entusiasmo e a alacridade!

 

Um grande ideal

Acima e além da formação literárias, cultura filosóficas e iniciação pedagógica está a transfiguração do ensino em apostulado!